Cerca de 3,5 mil empreendimentos organizados em rede nacionais e internacionais, fóruns locais, macrorregionais e nacionais, entidades públicas e privadas, escolas, universidades, fundos solidários participaram dos quatro dias da Feira Internacional do Cooperativismo e da Economia Solidária (Feicoop). Gente de 23 países, 26 estados brasileiros, mais o Distrito Federal e 585 municípios se reuniram em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para participar da 26ª edição da Feicoop. Toda essa grandiosidade chamou a atenção de 305 mil visitantes que passaram pelo evento entre os dias 11 e 14 de julho. Três mil a mais que no ano passado, quando a feira reuniu 302 mil pessoas.
Em entrevista à repórter Thays Puzzi, da assessoria de imprensa da Unicoopas, a coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança, que há mais de 25 anos organiza a maior feira do cooperativismo e da economia solidária da América Latina, irmã Lourdes Dill, disse que esta foi uma feira de resistência e insistência. “Apesar de todos os desafios que encontramos na preparação deste evento, sentimos uma alegria muito grande em poder realizá-lo de uma forma tão gigantesca e com a participação de pessoas de tantos lugares. Nos dá a certeza de que estamos no caminho certo”.
Segundo o presidente da Unisol Brasil, Leonardo Pinho, existe uma certa confusão entre governo e estrutura de Estado. Já houve governo comprometido com a economia solidária, mas a característica geral do governo é excludente, machista, “A gente precisa tirar como lição duas coisas: a nossa capacidade de construir unidade e de mobilização social e comunitária. Precisamos avançar no campo da economia solidária em ter unidade na diversidade. Na Unicopas, nós não somos iguais, mas a gente se desafiou a construir uma agenda comum”, destacou Pinho.
Ele participou de uma mesa redondo em que os principais temas discutidos foram as perspectivas e os desafios do cooperativismo e da economia solidária no Brasil, com destaque para a unicidade dos movimentos sociais.
A catadora de materiais recicláveis Aline Sousa, secretária geral da Unicopas, lembrou que em maio, durante o Seminário Nacional do Cooperativismo e da Economia Solidária foi consolidada uma relação estruturada entre a organização e o FBES. “Queremos fortalecer a unidade dos movimentos para que a gente consiga defender que uma outra economia já acontece. Nós só vamos conseguir avançar nesse discurso, principalmente com os legisladores, se a gente se unir. Ao invés de termos vários gritos em vários cantos, se tivermos um grito único, para o mesmo canto, ele será maior”, destacou Aline.
Ela também participou da Roda de Resistência das Mulheres, que foi organizada pela presidenta da Cooperativa Central Justa Trama, Nelsa Nespoldo. Acompanhada de várias outras mulheres, Aline resgatou e compartilhou a própria história. “O fator principal para eu ter ocupado todos os espaços onde eu estou foi o incentivo que recebi de várias outras mulheres. Se a mulher quiser ir, seja para onde for, mesmo com todos os obstáculos que aparecem, ela precisa resistir”, afirmou.
Financiamento permanente
A atual situação enfrentada pela economia solidária em âmbito nacional foi tema do discurso do diretor Executivo da Cáritas Brasileira, Fernando Zamban, que classificou como ‘mesquinhez orçamentária’ o atual orçamento destinado ao setor.
“Chegamos a ter na economia solidária um orçamento público de quase R$ 200 milhões para fomentar empreendimentos, redes e cooperativas neste país. Lamentavelmente, temos um orçamento hoje que chega a R$ 25 milhões com emendas parlamentares. Isso sequer mantém decentemente qualquer estrutura de governo para fomentar políticas públicas. Nós não queremos favor de gestor nenhum. Nós queremos políticas públicas adequadas para o cooperativismo e a economia solidária neste país”, afirmou Zamban.
Diante dessa esta realidade, durante a abertura da 26ª Feicoop, foi lançada uma campanha de financiamento permanente para a realização das próximas edições da feira. Uma urna será usada para recolher as doações e será levada para todos os eventos promovidos pelo Projeto Esperança/Cooesperança.
Referência internacional
A Feicoop é referência internacional no debate sobre economia solidária e agricultura familiar, reunindo em um único ambiente agricultores, artesãos, quilombolas, indígenas, catadores, estudantes e movimentos sociais, como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Levante Popular da Juventude, que realizou seu 12ª Acampamento Estadual no pátio do Colégio Irmão José Otão, ao lado do Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter, onde ocorreu a Feicoop.
A Feira também nunca fugiu do debate político, sendo palco de reivindicações e de cobranças aos governantes. Os seminários e oficinas realizados trataram de temas como agroecologia, inclusão social, hortas comunitárias, questão agrária, educação popular, conflitos no campo, alternativas ao desemprego, entre outros.
Carta Feicoop
“Construindo a sociedade do bem viver: por uma ética planetária”
(15ª Feira Latino Americana de Economia Solidária – ECOSOl
15ª Caminhada Ecumênica e Internacional pela Paz e Justiça Social 15º Acampamento do Levante Popular da Juventude Data: 11 a 14 de Julho de 2019 Local: Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter Santa Maria – RS – Brasil)
Mobilizados (as) em construir estratégias coletivas, participativas e solidárias que contribuam para a “sociedade do bem-viver e por uma ética planetária”, nos reunimos na 26ª FEICOOP, em Santa Maria/Brasil-RS, no período de 11 a 14 de julho de 2019.
A carta
Somos 305 mil participantes e expositores/as, representantes de 3.5 mil empreendimentos organizados em rede, Fóruns Locais e Macrorregionais de Economia Solidária; Fórum Brasileiro de Economia Solidária; entidades públicas e privadas; Escolas; Universidades; Institutos Federais, Fundos Solidários; Redes Nacionais e Internacionais de Economia Solidária.
Somos mulheres e homens, crianças, jovens, adultos e idosos, vindos/as de 23 países, 26 estados brasileiros e Distrito Federal, 585 municípios do Brasil.
Trazemos em nossas bagagens: saberes e conhecimentos construídos no cotidiano do trabalho coletivo, a partir do reconhecimento da diversidade étnico-racial, de gênero, geracional e das formas de organização e resistências presentes em nossos territórios; a sabedoria milenar dos povos tradicionais e originários; experiências de luta em defesa dos direitos humanos e das políticas públicas e propostas para o fortalecimento das iniciativas de economia solidária, da participação popular nas lutas gerais da classe trabalhadora e defesa da democracia.
Neste território construímos resistências às diferentes formas de exploração e opressão dos recursos naturais, de todas as formas de vida e das condições dos/as trabalhadores/as do campo e da cidade.
Afirmamos que a ofensiva do modo de produção capitalista vem assolando as condições de vida e de trabalho dos/as trabalhadores/as. Não por acaso, as decisões políticas e econômicas, reafirmam a retórica neoliberal de redução de investimentos do Estado, para área social, em favor de interesses privados, que visam a acumulação de lucro, às custas da vida de milhares de pessoas.
Essa realidade tem afetado de modo direto os direitos trabalhistas, previdenciários e os sistemas de proteção social em diferentes países da América Latina e põe em xeque o exercício das liberdades democráticas. De modo especial, na realidade brasileira constatamos um conjunto de medidas que violam a dignidade à vida humana e preservação das espécies.
Nessa direção está a implementação da Emenda Constitucional nº 95/2016, que repercute diretamente na violação de direitos sociais, especialmente, no campo da saúde e da educação; as reformas trabalhistas e previdenciárias; os processos de precarização e mercantilização da educação pública, o que fere diretamente os direitos firmados na Constituição de 1988.
Nesse processo afirmamos o ataque à democracia e a violação do direito de liberdade de expressão e manifestação, expresso com a criminalização das lutas e movimentos sociais, na violência e racismo institucionalizado que põe em risco a vida dos povos indígenas, quilombolas e afrodescendentes, LGBTQ+, pessoas em situação de rua, juventudes, migrantes, camponeses, povo da periferia, entre outros.
Igualmente afirmamos a exploração desmedida das elites dominantes, sobre os recursos naturais – bens da humanidade (a água, a terra, o ar, as plantas, as sementes, os minérios e as espécies), em nome da acumulação capitalista.
Em consonância com essa lógica um conjunto de políticas são formuladas pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, as quais sinalizam total indiferença frente às necessidades e 2 demandas dos/as trabalhadores/as de modo geral e às pessoas em situação de pobreza extrema cuja sobrevivência encontra-se ameaçada.
Esta 26ª FEICOOP oportunizou que várias organizações, entidades, redes de Economia Solidária e comércio justo, Escolas, Universidades, Institutos Federais, Organizações NãoGovernamentais, Incubadoras e Movimentos Sociais realizassem diversas oficinas, seminários, rodas de conversas, audiências públicas, acampamento popular da juventude, caminhada pela paz e organização de espaços coletivos como: Complexo dos Povos – Ubuntu, Tenda da Resistência, José Mariano da Rocha, Bem Viver, Autonomia, Segurança Alimentar e Sustabilidade, que refletiram sobre os mais variados temas como:
(1) a drástica redução dos recursos para educação pública, que compromete o investimento em ensino, pesquisa e extensão, manutenção de serviços básicos nas escolas e universidades públicas e institutos federais, com ameaça ao sistema de cotas;
(2) o cerceamento do pensamento plural e práticas persecutórias que visam amordaçar educadores e educadoras, inibindo a autonomia e o desenvolvimento de práticas pedagógicas emancipadoras;
(3) a construção de práticas pedagógicas de educação popular em escolas de educação básica, EJA, assentamentos, comunidades indígenas, entre outras, com ênfase na metodologia do ver, julgar, agir e celebrar;
(4) a defesa da natureza e da vida humana e demais seres vivos;
(5) a luta contra a incineração dos resíduos sólidos e os retrocessos em torno das legislações ambientais;
(6) o retrocesso quanto a regularização de terras tradicionais dos quilombolas e demarcação de terras dos povos indígenas;
(7) o fortalecimento de novas relações humanas que contribuam para a transformação de relações sócio-econômicas e sócio-políticas;
(8) as mudanças no processo produtivo e suas implicações na organização e luta da classe trabalhadora, bem como, os impactos da conjuntura atual no vida dos/as trabalhadores/as da economia solidária;
(9) a segurança alimentar e os efeitos nocivos quanto ao uso de agrotóxicos, que comprometem a saúde humana, a preservação ambiental e o desenvolvimento diversificado das culturas;
(10) a experiências e perspectivas da participação e protagonismo das mulheres e da juventude na construção da economia solidária;
(11) o Projeto de Lei (PL 137/2017) que trata da Política Nacional de Economia Solidária, em debate no Senado;
(12) a organização e mobilização da Ecosol, da VI Plenária Nacional de Economia Solidária e a participação no Fórum Mundial das Economias Transformadoras, que será realizado em Barcelona em abril de 2020;
(13) o atual modelo de gestão do Estado e da sua relação com a sociedade, que desconsidera os direitos assegurados na Constituição Federal e a participação popular (por meio da extinção de conselhos de direitos e políticas públicas, entre outras formas);
(14) a questão mineral no Brasil e como ela está se configurando no estado do RS, com o mapeamento dos projetos de mineração; das iniciativas e ações da articulação política envolvendo parlamentares e organizações da sociedade civil, especialmente, da região metropolitana de Porto Alegre, por conta do projeto Mina Guaíba e também da região carbonífera; e as características e riscos da atividade mineradora, que geram trabalhos precarizados e temporários, deixam comunidades inteiras deslocadas, crimes ambientais e mortes, e após a extração do minério a herança de um território cheio de buracos, com resíduos acumulados (rejeitos), com trabalhadores adoecidos e com a economia local destruída;
(15) a celebração do primeiro ano do Jornal Brasil de Fato RS “uma visão popular do Brasil e do mundo”.
No processo de construção da sociedade do bem-viver recordamos a luta dos “semeadores/as de esperança” como Dom Ivo Lorscheiter, Prof. Paul Singer, Paulo Dellagerisi, Ademar Bertucci e Humberto Gabbi Zanatta e num momento reflexivo, motivado com música de autoria de Zanata reafirmamos o compromisso com uma sociedade verdadeiramente livre, solidária e democrática.
Com essa motivação a 26ª FEICOOP, reafirma um conjunto de propostas e compromissos a serem assumidos em nossos grupos, associações, instituições, comunidades, redes, com a participação ativa de instituições públicas e da sociedade organizada defensora dos princípios da Economia Solidária:
(1) compromisso com o fortalecimento da economia solidária e das políticas públicas, com participação popular;
(2) incidência da participação popular, na defesa de direitos e construção de políticas públicas como estratégia para a construção da democracia e para o 3 aperfeiçoamento do próprio estado;
(3) fortalecimento de iniciativas voltadas a Moeda Social e Bancos Comunitários como dinamizadores do desenvolvimento local;
(4) incentivo à educação popular em economia solidária, na área da educação básica e ensino superior;
(5) construção de uma narrativa comum entre as diferentes práticas econômicas contra hegemônicas – economia feminista, economia solidária, economia dos comuns, agroecologia e soberania alimentar dentre outros – como propõe o Fórum Mundial das Economias Transformadoras;
(6) articulação dos movimentos sociais e comunidade escolar na luta pelo Fundo Nacional da Educação Básica (FUNDEB);
(7) defesa da Educação Pública, em todos os níveis, e acesso da juventude dos segmentos populares;
(8) articulação de lutas comuns e pautas coletivas, a partir da valorização das particularidades de cada movimento e organização social;
(9) incentivo às trocas solidárias de produtos, maior divulgação das feiras agroecológicas e criação de grupos de amigos da feira;
(10) criação e socialização de socializar ferramentas vinculada a tecnologia da informação para melhor divulgação das ações da economia solidária;
(11) incentivo a organização do CADSOL como estratégia de fortalecimento do movimento e ferramenta para garantia de Políticas Públicas;
(12) fortalecimento do protagonismo da juventude e das mulheres, no movimento de economia solidária;
(13) incentivo ao fortalecimento do Grupo de Trabalho sobre o artesanato Ecosol;
(14) fortalecimento de ações voltadas ao Programa Nacional de diversificação em áreas cultivadas com Tabaco, visando a garantia de direitos humanos e proteção integral das famílias produtoras de fumo além da recuperação de áreas degradadas;
(15) incentivo às redes de comercialização e sua participação na luta por políticas públicas, construindo estratégias para superar dificuldades como: compatibilização de diferentes áreas produtivas, logística, articulação campo e cidade e formação com a participação de novas lideranças;
(16) fomento à participação dos diferentes coletivos e experiências de economia solidária que não estão presentes nos Fóruns;
(17) organização de um processo ampliado de discussão e preparação para a VI Plenária de Economia Solidária;
(18) compromisso com o consumo ético solidário;
(19) divulgação e fortalecimento do Comitê contra a Mega Mineração, ampliando o debate sobre o tema, principalmente, com a população dos municípios que serão atingidos;
(20) fortalecimento da Campanha Permanente – Todos somos FEICOOP! e com a realização da 27ª FEICOOP em 2020.
Em tempos de naturalização da pobreza, da violência e racismo institucional, do conservadorismo e do uso desmedido das redes sociais para criminalização dos movimentos e organizações dos/as trabalhadores/as, ousamos refletir sobre a mensagem do Papa Francisco:
“Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. Todos nós nascemos para ajudar uns aos outros. Não importa quão difícil seja…A vida é boa quando você está feliz; mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa” e, solidariamente, queremos afirmar que NOSSA ESCOLHA É A RESISTÊNCIA, NOSSA ESCOLHA É A ORGANIZAÇÃO, NOSSA ESCOLHA É A GLOBALIZAÇÃO DA SOLIDARIEDADE!
Santa Maria-RS/Brasil, 14 de julho de 2019
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