A maior reserva de água do Brasil está sendo destruída por desmatamento, fogo e ganância desenfreada. A floresta tradicional sendo substituída por pastagem e agricultura convencional. “Vai faltar água. A nossa “casa de água está sendo atingida”, alertou a representante do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, Lidiane Taverny Sales, moradora da comunidade Retireiros do Araguaia (MT), durante o seminário que abriu o IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, em Brasília (DF). Com o tema “Pelo Cerrado Vivo: diversidades, territórios e democracia”, o evento ocorre no espaço do Funarte até o sábado (14).
Ela reitera a importância dos três principais aquíferos brasileiros – Bambuí, Urucuia e Guarani – existentes dentro do bioma Cerrado. Além disso, o bioma abriga oito das doze regiões hidrográficas brasileira, abastecendo seis das oito grandes bacias hidrográficas do país. “Tudo isso tem sido ignorado”, disse Lidiane, ao descrever o cenário de destruição observado ao longo de 1,2 mil quilômetros que percorreu – de ônibus – desde sua cidade até a capital federal.
“Vim observando o quanto o cerrado, a nossa casa, está sendo destruída. E a destruição não é por nós. É pela ganância”, criticou. Ela destacou a ausência de notícias sobre queimadas no Cerrado. “Ele está acabado pelo fogo e o fogo pega nos territórios tradicionais”, afirmou.
Vozes do Bioma
Os números oficiais confirmam: segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2017 e julho de 2018, foram desmatados mais de 6,5 mil quilômetros quadrados de Cerrado. Mesmo assim é um desmatamento “invisível” que atinge mais de 50% de todo território. E apenas entre os dias 1º e 9 de setembro, foram registrados 7.304 focos de incêndio no cerrado. E, inúmeros focos são propositais.
Dados científicos também informa que o Cerrado, segundo maior bioma do Brasil, ocupa 24% de todo território nacional, concentra 30% de toda biodiversidade do país e 5% da biodiversidade planeta. Para a líder quilombola Maria de Fátima Barros, que representou a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, fazer essa defesa é defender um direito territorial e ancestral, mas também o direito à própria vida. “ Somos a voz desse bioma e por isso não podemos admitir que nossos territórios, vidas e recursos naturais sejam esfaceladas”, disse Fátima. Para ela, lutar pelo Cerrado é defender os próprios corpos, “as nossas vidas e a nossa água”, afirmou, reiterando a ausência e corte de políticas públicas já em andamento.
Para a representante do Instituto Sociedade, População e Natureza, Isabel Benedetti, a preservação e conservação de grandes áreas depende da contribuição das comunidades tradicionais. “No caso do Cerrado, só os parques nacionais e as unidades de conservação não dão conta de manter a escala que a gente precisa para conservar os fluxos de carbono, o ciclo da água, a biodiversidade”, explicou.
Os territórios dessas comunidades, segundo ela, são grandes o suficiente para permitir a conexão entre as áreas oficialmente protegidas. “Permitindo então que a gente evite um colapso ambiental no caso do Cerrado, que já perdeu metade da sua área”.
Gente que cuida
A coordenadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu e integrante da Rede Cerrado, Maria do Socorro Teixeira, criticou a total falta de políticas ambientais, por parte do governo Bolsonaro. Ela protestou contra a destruição da natureza. “Ninguém pensa que lá tem ser humano. A terra é importante, a água, a floresta, mas [também] somos importantes nós, que vivemos nela. E a gente não vai se curvar diante de um governo podre”, disse.
O desprezo pelo elemento humano do bioma também é observado pela bióloga e professora titular da Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante. Segundo ela, as descrições do cerrado – antes visto como “sertão inóspito” e depois como “celeiro do Brasil” – hoje veem a diversidade como empecilho ao desenvolvimento. “No entanto, é exatamente essa diversidade que é a grande oportunidade de desenvolvimento para o Brasil. Quando a gente junta essas formas de conhecimento, o país só tem a ganhar”, declarou. Para ela, “é impossível cuidar da natureza sem cuidar do homem que cuida da natureza”.
Com informações da Rede Cerrado
Crédito Fotos:
Pablo Valadares/Agência Câmara
Thomas Bauer/CPT
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